A chuva pesada
surrando a janela,
o telhado, a rua
deserta do frio
que assopra através de esquinas
um uivo
e balança árvores
e galhos vazios
de folhas que dançam
acima das poças
sujas no asfalto.
um cheiro forte
de café na manhã
de silêncios quebrados
por pessoas passando
você, no meio
do tempo, coberta
na cama, quente e
feliz ao lembrar
“posso voltar
a dormir”,
é domingo.
garota do tempo:
garoa com vento.
chegou a notícia
pouco depois,
muito tarde,
de eu trancar
com duas voltas
de chave o portão.
fiquei exposto
a chuva de lado
molha meu lábio
que ri dos fatos
que não acontecem
quando se sabe
do clima do tempo
do espaço da vida
que não acontecem
No acerto do erro
um poema
feito do teorema
da incomunicação
da língua sólida
de um corpo
subvertido
na língua mágica
de um povo
tentando dizer algo feliz #1
a felicidade perdura
na boca, nos olhos,
na emissão do calor
das fogueiras de junho,
perdura nos abraços
na cama, nas manhãs
de domingo
a felicidade perjura,
sorrindo, no amor, sem fim
de semana no tédio,
no ócio alegre de olhar,
perverte, o teto
da sala, os reflexos,
luzes da tarde.
a felicidade perdoa
no toque, nas palavras,
no erro de interpretação
de quem, feliz, finge,
perplexo, das coincidências
do texto, do tempo
próprio da vida.
a felicidade permite
lágrimas doces, açucares
sem culpa, pecados de
gula, preguiça, luxúria e
perfaz a parte, completa,
das lembranças, queridas
expressões de sorrir.
quem fala e
o que diz do que fazer nas
tevês sintonizadas nas
notícias matutinas e os
trânsitos das sete, são
figuras comuns, como
o serviço de doze horas, como
a comida azeda das oito, como
o sexo com horário marcado.
a cidade diária apenas é
vivida por exceções, que pedem
comidas vindas por motocicletas
com motores que vão de zero
a cem mortos por dia
nas marginais assassinas sem
sentimentos de dores
que ligam o sul ao norte
e poluem ares e rios, por aqueles
que sobrevivem mandando
mensagens em garrafas vazias
com baterias de lítio
e multimídias, hipertextos de
ilhas, arquipélagos paradisíacos, de
pessoas presas nos vagões da CPTM, entre
uma parada não programada e outra, dentre
a distância de Celso Daniel à Brás, para
quem sente o lado de fora
que fede, o córrego Tamanduateí, que
em seu negrume cultivado por
encanamentos clandestinos disfarçados por
indústrias progressivamente automatizadas por
seres supostamente humanizadas,
margeia a ignorância paulista
que ignora crianças, camelôs, mendigos
e injustiças sociais
e justiças sociais
e intervenções sociais
e abraços sociais de
quem tem que chegar
em algum lugar que faz ter
dinheiro para, dever no banco
de financiamentos apertados
como os prazos e quartos,
viver antes de dormir e
trabalhar, sonhando, quem sabe
um dia qualquer desses ganhar
na loteria em um bolão, ou só
sentar sem se preocupar e
não dever no banco
quem levanta a cabeça
e olha reto no olho da vida,
do carro, da polícia, do doutor
do fiscal, pastor ou político de toda
parede burocrática, conservadora que
existe somente na lógica de
preservar a própria existência, ainda que
dificulte a vida ou proíba a
quem tem vontade e
coragem de viver, pecado
capital, em São Paulo
quero a felicidade
dura das manhãs
quero o sorriso
amargo de amor
quero o instável
do querer eterno
seja falso,
seja falso verdadeiro,
em um mundo perfeito
ou em meus sonhos,
no que vier, encherei a colher
já fui,
por um tempo,
não sou
mais, há tempos.
tenho duas mãos e
nas mãos tenho dez dedos
de pele áspera e unhas agudas
que apontam como agulhas
formando ângulos
que tangiam as vontades e
vaidades da carne
tenho dois braços flácidos
úteis e violentos
sedentos de garras e saudades
do sangue, da terra, da carne
tenho pernas com pés,
joelhos, cartilagens, tendões e
tendinites que imprimem
pegadas no solo,
porcelanato e memória
tenho um corpo de química e
um corpo de alma
um vazio no peito
das angústias que sinto e
um peso no crânio
das angústias que penso e
sem dúvidas
Eu existo
lá, existo aqui.
o
eco
ecoa
a toa
as palavras
sentidas
da falta do
sentido,
se masca
na boca
sons
perdidos,
a mosca
que zumbe
vazios,
pousa
veloz
no lábio
parado
do sábio
e ecoa
a falta
que se fez
presença.
luisa
dê adeus
a tudo que foi
as noites de frios,
as tardes de tédio,
as manhãs raivosas
e os sonos tão juntos.
dê adeus
as falhas que tive,
aos aborrecimentos
que dera, as coisas
pequenas que logo
desaparecerão
no porão insalubre
da memória.
dê adeus
enquanto ame,
enquanto importa
enquanto o toque
seja possível, seja
por voz, tato, olhar,
mensagem qualquer
dê adeus
chorando por medo
com razão, tenha certeza
de se esvair,
desaparecer
juntos, até acabar
o tempo que tem.
não
deixe passar
em branco a dor
do fim, fingindo
que passou
o que não
vai passar.
dê adeus
antes que o próprio
fim chegue levando
o fim dos que antes
já foram.
dê adeus
dê todo sentimento
de carinho, ódio e afeto
desesperadamente,
sem medo, antes
que seja hora
de dizer adeus.